quinta-feira, 16 de abril de 2009

Opinião: "barcas, trens, ônibus, museis, centros culturais e outras formas de transporte", ou "Para responder Nelson Motta" por Flavio Aniceto

Em “O Globo” (10/04/2009, pg. 07, Opinião), o jornalista Nelson Motta nos apresenta quatro projetos culturais vitoriosos – Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, Estação das Docas em Belém, Pinacoteca de SP e o Porto Digital em Recife. Ele pergunta “o que têm em comum” (os quatro citados) e responde “alta qualidade, padrão internacional, (...) eficiência e transparência de sua gestão. Que não é feita pelo Estado, nem por empresas privadas ou ONGs, mas por OSs – organizações sociais, entidades sem fins lucrativos (...) que o Estado contrata para executar seus programas nas áreas de educação, cultura, meio ambiente e tecnologia”. Assunto tão atual e preciso que o mesmo jornal dedicou em 12/04, dias depois, portanto, o seu editorial ao tema. Intitulado “Atraso Político” a voz oficial do poderosos periódico relacionava outros projetos de sucesso (Rede Sarah de Hospitais de Habilitação, no DF e o Museu do Futebol, SP) e acusava a Câmara de Vereadores de preservar “o retrógado em detrimento da modernidade, e consequentemente não atende ( r) os interesses da sociedade”.

E daí, com a pulga arás da orelha (e devo dizer que minha pulguinha de estimação não é estatista, embora ache que o Estado tem papel fundamental no planejamento, gerência geral e em alguns casos gestão) lanço também dúvidas provocantes.

O que tem em comum:
  • BARCAS s/a, concessionária privada do serviço de transporte marítimo e que domina o setor, oferecendo péssimo serviço, muitas vezes literalmente “ilhando” os moradores de Paquetá, ou atrasando a vida e causando mau estar aos moradores da Ilha do Governador e principalmente de Niterói, São Gonçalo e entorno. Vale lembrar que as vésperas do feriado de Semana Santa, na “quarta-feira” santa, uma “multidão” de 3.000 passageiros a mais por hora, resultou em um colapso no sistema, respondido pelo gerente da empresa com uma cínica declaração “não usem as barcas na hora do rush...”.
  • SUPERVIA empresa que tem a concessão do sistema ferroviário do Estado do RJ, não cuidando da segurança, pontualidade e dignidade da população mais pobre e que depende deste meio de transporte. O que é mais grave e já motivo de comoção social geral: seus “seguranças” como política de “acomodação dos passageiros” resolveram (por conta própria e foram demitidos sumariamente, diga-se) chicotear, bater e empurrar os usuários.
  • Sistema de transporte rodoviário, também concessão do Estado e municípios para um conjunto de empresas associadas a federação de transportes (FETRANSPOR), consta que funcionam em regime de cartel, são poucos os concessionários para muitas linhas e regiões geográficas. Decidem a seu bel prazer (por vezes fingem acertar com o governo) trajetos, horários, tabelas que incidirão nas tarifas, etc.

São todas, como disse, privadas. E é isso que tem em comum: são concessões públicas para empresas privadas que prestam péssimos serviços, quase não investem – os grandes investimentos em infra, obras, mudanças estruturais, etc. – são feitos pelo concedente. E em situação de “aperto” ainda socorrem-se do Estado, é só pensarmos que o governador Sergio Cabral, acena com R$8.000.000 para “ajudar” a Barcas s/a a reformar algumas embarcações, além de outras vantagens. No caso de barcas, trens e metrô, todas privatizadas, “oessizadas” no governo estadual do PSDB, de Marcello Allencar e probos filhos.

É verdade que não são OSs, estas “ilhas de modernidades” defendidas pelo Jornal O Globo, pela secretária de cultura do estado, Sr. Adriana Rattes e outros, mas independente da estrutura e/ou figura jurídica é este o modelo: o Estado sendo ineficiente, pesado, burocrático, concede a exploração do serviço a outros. Transporte é transporte, dirão os especialistas, ou “como você mistura trens, metrô (nem usei este exemplo pois seria covardia), etc. com Theatro Municipal, teatros populares, museus, etc.? Se muitos acham a cultura como “supérflua”, cereja do bolo e tal, os mesmos não tem dúvidas sobre transporte de massa: são os motores da economia, levam e trazem pobres e remediados que irão construir a riqueza, ou jovens que vão as aulas, os garçons que atenderão nossos cafés e chopes, as empregadas que se pendurarão em janelas pra deixar tudo limpinho. Se nos trens e barcas a resposta eficiente da área privada é esta, o que esperar por exemplo das “históricas” goteiras e cupins de teatros como o (estadual) João Caetano? Da conservação de arquivos públicos? Da programação social dos centros culturais do município e estado do Rio de Janeiro?

Para concluir, nova citação de “O Globo” (14/04/2009), na coluna Opinião, Rubens Barbosa fala da Crise da Bienal (Fundação Bienal, responsável pela Bienal de Artes de SP) e de quebra da Fundação que administra o Museu de Arte de São Paulo/MASP. São duas instituições brasileiras de artes visuais, de visibilidade mundial, criadas e regidas em regime assemelhada as OSs (pela história e antiguidade destas duas fundações, a estrutura e estatutos são diferentes do modelo colocado em pauta, mas são de natureza privada, precisando de recursos públicos, sociais, filantrópicos e privados). É necessário lembrar que estas fundações já nasceram independentes, não foram estatais, sua composição já parte de um esquema próximos as OSs, e são permanentes, usuais e radicais as suas crises. Algumas envolvendo mesmo casos de polícia!

Não seria o caso de pensarmos mais e melhor sobre tudo isso? De como transportar melhor o povo, lhes dar condições de moradia, educação, saúde e principalmente a parte que nos toca: fruição, consumo e produção de bens e serviços culturais. O Estado pode ser um pesado elefante, e os interesses políticos estranhos trocaram de animal, sai o elefante entra um hipopótamo privados. E todos sabem que precisamos mesmo é de um guepardo, pois as soluções são urgentes.

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