sexta-feira, 27 de novembro de 2009

À Aracy de Almeida

Minha vida é marcada por algumas revoluções, dessas que acontecem periodicamente, marcadas mesmo pra dar uma mudada nos rumos dos meus pensamentos. Eu criança ainda, ficava doido ouvindo Gal Costa cantando Assum Preto e Clara Nunes, com aqueles arranjos de cabeça e aquela música que pra mim, parecia vir do berço, apesar da minha pele tão alva, advinda de ascendência italiana.
Já mais velho um pouco, em época de faculdade, 18, 19 anos, não lembro direito, fui apresentado à Aracy de Almeida. Não à Aracy que apertava a campainha, que zombava do dente que faltava de uma caloura ou sugerindo uma ária da ópera da Madame Butterfly pra outra, o que me fazia rir incessantemente. Mas daquela que revolucionara a maneira de cantar, que dividia aquelas frases de uma maneira tão perfeita, que bem “sujava” um pouco a obra do Noel Rosa, como muito bem colocou nosso saudoso Roberto Moura, meu professor na faucldade, em depoimento para minha monografia.
Pois é: escrevi uma monografia, dessas de conclusão de curso de bacharelado em Comunicação Social, confesso, mas um registro. Quis fazer eu, um simples estudante, pouco pretensioso, amante da música, aspirante a artista, um pequeno registro de como a Aracy de Almeida havia me arrebatado. Dizia, na época, outro professor meu, da mesma faculdade, também já saudoso, Vitor Giudice: “se a Aracy de Almeida tivesse nascido nos Estados Unidos, seria pau a pau com a Billie Holiday”.
Digo que, mesmo sem tentar fazer comparação e já fazendo, nunca mais vai haver um Palpite Infeliz, uma Camisa Amarela ou um Contentamento iguais aos da Aracy. Nunca mais vai haver um Engomadinho, nem uma Triste Cuíca, nem um Saia do Caminho que nem os dela. Nunca mais. A magia carioca que envolve o canto da Aracy e que presenteia os nossos ouvidos da era da internet e das facilidades digitais parece ter ficado pra trás em 1987. Aquela irreverência de quem conhece, de quem sabe o que tá falando e de quem não teme viver a dinamicidade que graças ao Criador a cultura tem, parece ter calçado os sapatos com ela.
Mudam os ares, os climas, a geografia. Mudam as construções, os pensamentos, os humores. Quem fica pra sempre é a Aracy de Almeida. Que outros mereçam A Voz do Morto, que a música se embriague não só de álcool e que a Dama do Encantado inunde as almas dos caretas!

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