quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Ocupação do Alemão: a visão de quem está dentro

A VISÃO DE QUEM ESTÁ DENTRO

Rogério da Costa Cavalcante era um cidadão comum, trabalhador, que na manhã de sexta-feira, dia 26/11 integrou a lista extensa de vítimas de balas perdidas no Rio de Janeiro. Ao sair de casa no momento de trégua mínima dos confrontos entre forças policiais e bandidos especificamente nas proximidades do Morro do Alemão, e que abrangeu as Comunidades da Vila Cruzeiro, Chatuba, Caixa D’água, Grota, Central, Esperança, Fazendinha - áreas que compõe os chamados Complexos da Penha e do Alemão –, teve seu percurso interrompido por ser alvejado com um tiro de fuzil, arma de uso exclusivo das Forças Armadas Nacionais e em exposta às dezenas nas áreas citadas anteriormente, referente ao comércio de drogas. Rogério morava há 34 anos em Olaria, bairro do subúrbio da Leopoldina cuja identidade foi perdida, assim como outros, sendo subordinado à denominação de Complexo. Infelizmente, Rogério veio a falecer em 28/11.
Os confrontos foram ferozmente noticiados e a ocupação policial na denominada região fomentou a esperança para uma grande parcela de moradores, que sonham com desenvolvimento de uma situação cidadã em todas as áreas, sejam nas favelas como por todos os bairros leopoldinenses. A implantação de uma estrutura de guerra na comercialização do tráfico de entorpecentes; a corrupção policial; a ausência de ações governamentais de construção e assentamento da cidadania; paralisação de serviços essenciais como limpeza urbana regular comandada por órgão municipal competente; suspensão de serviços médicos em postos de saúde, a exemplo da SANDU de Ramos tornaram as localidades leopoldinenses degradadas e decadentes. Grandes empresas suspenderam suas atividades na região por diversas ações que não podem ser computadas somente à violência urbana crescente. Enfim, existe a crença por resoluções plausíveis de melhorias estruturais, mas com um ar de desconfiança.
Em 2007, ações policiais ocorreram na Vila Cruzeiro e se prolongaram por quase a totalidade de 2008. Resultaram em aulas suspensas nas escolas da rede pública da região, pânico entre moradores devido às atrocidades policiais, prisões em sua maioria de homens negros e pardos – “todo camburão tem um pouco de Navio Negreiro”, afirma o Rappa -, descaso governamental por não desenvolver ações administrativas que pudessem levantar a auto-estima local e o cancelamento da Festa da Penha. No mesmo período, dezenove pessoas foram mortas, constituídas entre inocentes e culpados. Foram aí aumentando os problemas sociais e culturais na região relatada no conflito como, também, em todos os bairros da zona da Leopoldina. O problema do tráfico de drogas incitou e provocou diversas mazelas sociais.

Rogério da Costa Cavalcante saiu às ruas em 26/11 para distribuir o convite de aniversário de um ano do seu primeiro filho. Infelizmente, sem a possibilidade de realização de uma festa feliz. Mais uma vítima de uma guerra cujos protagonistas atuam muito mais em prol de uma ‘sociedade do espetáculo’, copilando parte de obra homônima de Guy Debord, na qual critica a necessidade de exposição desenfreada dos indivíduos para diversos fins, principalmente através dos meios de comunicação. Perseguições via satélites, prisões noticiadas como troféus, organizações sociais se movimentam de cima para baixo trazendo soluções para uma ausência de serviços construída e provocada. A ausência de preocupação de órgãos da imprensa com a geografia da região. Como exemplo, a Folha de São Paulo atestou o tiro levado por Rogério como ocorrido no conjunto de favelas da Maré (Folha de São Paulo, Cotidiano, 28/11/2010,p.4), quando o mesmo ocorreu em área do denominado Complexo do Alemão.
Os resultados? Veremos! As forças policiais continuam presentes nas áreas estratégias dos chamados Complexos. Quando virá a dignidade cidadã construída através da análise dos seus moradores através das atividades sociais e culturais existentes e promovidas por aqueles que atuam na região em diversas situações? Quando o respeito e a coletividade serão determinantes nas relações entre indivíduos e instituições? São dúvidas que pairam na nossa cidade, e não são diferentes de outras partes do Estado, do Brasil e em outros variados lugares em países diversos.


José Roberto de Souza Aguiar
(Secretário CPC ARACY DE ALMEIDA,
Professor de História das redes Municipal da cidade do Rio de Janeiro e Estadual/RJ.
Morador do bairro da Vila Cascatinha, em Olaria, cidadão e amigo
de Rogério da Costa Cavalcante.)

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