terça-feira, 15 de setembro de 2009

O pesquisador Flavio Silva escreve sobre o "Novo" MIS em Copacabana

Um acerto e um equívoco

Flavio Silva

Sinto-me dividido, ao apreciar duas medidas tomadas pelo governo estadual. Por um lado, aplaudo a idéia de murar ou de ‘muretar’ favelas, para evitar sua expansão e proteger a mata que ainda resiste, muito embora essa iniciativa atraia as iras de ‘humanistas’ de plantão. Por outro lado, vejo, com tristeza e revolta, a idéia estapafúrdia de transferir para Copacabana o Museu da Imagem e do Som.

A instalação desse museu, nos dois prédios que o abrigam, é precária, incômoda e inconveniente, impedindo sua expansão, tanto no que se refere ao acervo, como às possibilidades de intervenção no tecido social. Acresce que, no prédio da Lapa, todo o primeiro andar é ocupado pela Escola de Dança do Theatro Municipal, que também não pode ampliar suas instalações.

Ocorre que esse prédio na Lapa tem enormes possibilidades de ampliação, beneficiando tanto o MIS como a Escola de Dança. Ele tem, ao lado, uma bela e bem conservada fachada de três andares, com o terreno vazio de uma casa destruída, e que pode ser usado para uma construção que duplicaria, pelo menos, o espaço atual para as duas instituições. Do outro lado desse terreno vazio, há o grande e belíssimo prédio do antigo Hotel Bragança, com suas duas torrinhas e sua fachada lindamente trabalhada, que a incúria de governos passados transformou em enorme cabeça-de-porco, com centenas de moradores. É visível, do lado de fora, a degradação a que está sendo submetido esse monumento de fins do séc. XIX; uma inspeção em seu interior certamente revelará o perigo permanente que cerca os que nele habitam. Um princípio de incêndio dificilmente será controlável; se (ou quando?) isso acontecer, quem será responsabilizado pelas mortes que ocorrerão? Estado e Município lavarão as mãos, mas os menos culpados serão os moradores.

A indispensável desapropriação e desocupação do ex-Hotel Bragança possibilitaria ampliar enormemente o espaço e as atividades culturais do MIS e da Escola de Dança, bem como de outras entidades estaduais, como o esquisito Museu Carmen Miranda, que deveria ser um setor do MIS, e não uma instituição autônoma, pagando mais um inútil salário de diretor. Os moradores do ex-hotel, porém, não podem ser jogados na rua. Como eles não são em grande quantidade, deve ser possível relocá-los em prédios, casas e espaços vazios que abundam nessa cidade. A valorização cultural da Lapa seria gigantesca, com o continuum que iria da atual sede do MIS até a Sala Cecília Meireles, passando pelo prédio que está sendo utilizado pela Escola de Música da UFRJ. Inversamente, retirar o MIS da região é contribuir para sua degradação. Vale lembrar que a Petrobras investiu um bom dinheiro na recuperação dessa sede do MIS/Lapa, durante a gestão Edino Krieger. Esse dinheiro será jogado fora, com a transferência para Copacabana.

Que benefício terá o Estado, desapropriando o prédio que, na Av. Atlântica, abriga o restaurante Terraço e a discoteca Help, para nele construir um novo MIS? A resposta é: nenhum. A idéia de que Copacabana precise de um museu à beira-mar é totalmente descabida. Alegou-se, inclusive, para justificar essa desapropriação, a necessidade de acabar com o espetáculo da prostituição que campeia naquela área. Ora, essa necessidade pode ser satisfeita mediante a desapropriação e posterior venda do terreno a uma imobiliária que construa apartamentos ou, quem sabe, mais um grande hotel, com vistas à Copa de 1914 e à Olimpíada de 1916. Essas duas possibilidades de construção propiciariam ganhos substanciais para o governo, mediante a arrecadação de impostos. Destruindo-se a Help e o Terraço para construir um novo MIS, deixa-se de arrecadar impostos e empregos são suprimidos.

Consta que o Estado teria depositado 13 milhões em juízo para desapropriar aquele valorizadíssimo espaço na Av. Atlântica. A essa quantia, há que acrescentar os 500 mil pagos à Fundação Roberto Marinho para realizar estudos de implantação do novo MIS, mais o prêmio para o arquiteto que apresentar o projeto vencedor. Haverá, sobretudo, o custo de uma edificação que deverá ter instalações muito especiais, e, portanto, mais caras, para evitar a ação da maresia sobre acervos dos quais ela é inimiga declarada. Sempre é bom lembrar que as transferências de local de acervos como o do MIS são necessariamente caras e complexas, pelos cuidados que exigem. Ora, aposto que, apenas com os 13 milhões da desapropriação, seria perfeitamente possível construir um novo prédio para o MIS e para a Escola de Dança, no terreno ao lado do MIS/Lapa. E com o dinheiro a ser gasto com a construção copacabanesca, incluindo acréscimos de custos ditados pela maléfica presença do oceano, seria possível relocar dignamente as pessoas que ocupam o ex-Hotel Bragança e, pelo menos, começar o processo de restauração desse monumento.

Cabe, enfim, perguntar que especialistas foram consultados pelo Governo do Estado, para levá-lo a essa esquisita decisão de prejudicar a Lapa sem beneficiar Copacabana. A resposta é, mais uma vez, óbvia: nenhum. Trata-se de uma decisão pessoal, sem nenhum fundamento, a não ser a vontade de um governante. Esse voluntarismo não costuma dar bons frutos − basta ver o que acontece com certo prédio inacabado na Barra da Tijuca.

"p.s.: esse texto é anterior ao anúncio do projeto vencedor do MIS copacabanesco. Ele foi escrito há uns três meses e publicado no Jornal do Brasil do dia 10 de junho passado. As críticas que traz continuam atuais e válidas. Não me manifesto sobre a qualidade estética do projeto vencedor. As descrições que a imprensa dele traz evidenciam que não se trata de um projeto de museu, e sim de 'centro cultural', de 'centro de lazer culturall' ou de coisa que o valha. Não encontrei nenhuma referência a espaços para armazenamento, guarda e tratamento de acervos. É evidente que a 'cidade da música' de Sergio Cabral Filho não custará o que foi anunciado, mas, com este valor, é possível duplicar o atual MIS da Lapa, construindo atrás da bela fachada no terreno vazio ao lado, além de desapropriar e restaurar o Hotel Bragança, antes que ele desabe ou se incendeie, e relocar as centenas de moradores que o habitam, Esses trabalhos não custariam nenhum centavo de projeto de arquitetura externa, pois ela já está toda pronta. Seguramente, ainda sobraria dinheiro para cuidar do acervo - razão de ser de um museu."

Flavio Silva , 70, é pesquisador em música (flazil@terra.com.br)

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