domingo, 27 de março de 2011

Realmente causa espanto o financiamento de um projeto a um artista brasileiro? Roberta Martins

Realmente causa espanto o financiamento de um projeto a um artista brasileiro?

Roberta Martins*

Nesses primeiros meses de 2011, me acostumei a acessar os meios de comunicação, sejam físicos (sim, eu ainda leio jornais e revistas impressos!), eletrônicos ou as redes sociais, ter sempre notícias sobre o quadro político da cultura brasileira em evidência.
Nunca antes na história desse país (confesso que não resisti!) se falou tanto e tantos falaram, em política cultural. Confesso que gosto dessa movimentação, do burburinho, de ser instigada a refletir, criticar... e algumas vezes ser convocada a opinar sobre as ‘coisas’ da cultura. Afinal, questões que motivam parte significativa de minha vida, esforço de pensamento e elaboração, passaram a fazer parte do cotidiano de incontável número de pessoas. E mais...passaram a ser tema importante, não apenas para aqueles que como eu fazem da Cultura seu ganha-pão. A política cultural ganhou corpo e mundo, se tornou assunto cotidiano.
O que tomou a cena nesse último período foi a notícia da autorização por parte do Ministério da Cultura para a captação de recursos de um projeto da cantora Maria Bethânia. Mas, porque tanta indignação, protestos, tantas declarações? Em minha avaliação, essas vozes falam menos de um espanto ao financiamento a um artista brasileiro e mais da real necessidade de mudança dos padrões que regem o fomento cultural no Brasil, e a urgente necessidade de atualização de seus padrões legais. A política cultural brasileira ainda se enquadra na Lei Federal de Incentivo à Cultura, de 1991, mais conhecida por Lei Rouanet. Esse instrumento conduz desde então a política de fomento do estado brasileiro e estabelece suas bases legais, tanto para incentivos fiscais, quanto para o Fundo Nacional de Cultura (FNC), constituído por recursos a programas, projetos ou ações culturais.
O caso da Abelha Rainha e a autorização para a captação podem ser importantes, mas fazem parte apenas de um dos atos. Com o decorrer da história é revelada a trama central: a Lei Rouanet se esgotou. É verdade que a mesma cumpriu, em parte, o objetivo inicial de facilitar os meios de acesso à cultura e que foi essencial para a sobrevivência de muitos artistas no período neoliberal. Mas, também o é a sua marca ideológica de que o condutor da política cultural não é o Estado, mas sim o mercado, que submete a política de financiamento a interesses de grandes grupos dos que tem menos poder de barganha e prioriza nomes consagrados em detrimento de iniciantes. Além disso, o dinheiro tem que ser compreendido como recurso público, já que o Estado brasileiro renuncia a sua entrada em seus cofres.
O desfecho dessa trama ainda demora a se dar, mas espero que os condutores da política cultural brasileira, assumam o seu papel de protagonista da história. O MinC, reabrindo o debate sobre o Procultura, que baseará os novos mecanismos de fomento cultural no Brasil e o encaminhe ao Congresso Nacional. Aos agentes culturais que participem ativamente, como há muito fazem e cobrem respeito aos mecanismos democráticos de participação e agilidade na condução do processo.
Eu daqui, continuo acompanhando e esperando que o foco da indignação da sociedade brasileira seja deslocado, de uma artista brasileira para a política de fomento a cultura. As próximas cenas prometem ser eletrizantes.

* Roberta Martins é cientista social e membro do CPC Aracy de Almeida

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